Em todas as minhas primeiras lembranças de criança, sempre existiu esse objeto grande, cheio de teclas pretas e brancas, e que minha mãe, vez ou outra, sentava ali e ficava fazendo barulho. Era um piano, um objeto mais velho que eu, que mamãe ganhou durante algum momento da vida dela – bem antes de eu nascer, pelo que sei.
Conforme fui crescendo, sentava ali e ficava tirando músicas de ouvido. Noite Feliz, Jingle Bell, introduções de algum hit pop do momento, e isso me garantiu um tecladinho Casio no Natal de algum ano ali, entre meus 6 e 8 anos. O teclado tinha uma oitava – o conjunto de notas que vai de dó a si no piano/teclado/afins. Fiz miséria durante um ano, para cima e para baixo, tirando mais músicas, até o Natal seguinte, que ganhei um teclado Yamaha – PSR-510.
Como frequentava a igreja católica naquela época, comecei a fazer aulas com a Alessandra (Um beijo, Ale!), que tocava nas missas. Passei a tocar também, aos domingos, e assim foi por anos. Muito tempo depois, entrei para um conservatório e comecei a desenvolver um pouco mais. A ideia era aprender a ler partituras e me profissionalizar naquilo, mas como eu tirava músicas de ouvido, eu pedia para meu professor tocar a peça antes de mim, para que eu memorizasse e tocasse sem precisar ler partituras. Aquelas bolinhas não faziam sentido algum para mim, já que a minha arrogância me fazia pensar que, por eu tirar de ouvido, jamais precisaria de partituras. Ai, que dó! Errei rude.
Pensei em tentar prestar vestibular para alguma faculdade de música, mas não levei para frente. Na época, meu pai falou para que eu fizesse algo que desse dinheiro – isso sempre me revoltou, mas hoje eu entendo o lado dele (mas não deixo de fazer o drama quando tocamos no assunto). E, com isso, fiz um semestre de Administração – e peguei DP em matemática, fiz um semestre de Desenho Industrial, já que meus amigos estavam fazendo, achei que eu também teria essa skill – e peguei DP em desenho. Curiosidade: a coordenadora do curso me chamou para conversar, no fim do semestre, e foi muito parceira ao me dizer que aquele curso não era para mim. Ela estava mais que certa. Por fim, parei no Jornalismo.
Música ficou no passado. Toquei em alguns casamentos ali, em algumas festinhas em casa, ou me juntava ao meu irmão para tocar coisas aleatórias, mas desisti. Segui assim até meados de 2017, quando a Rafaela me deu um piano digital, que ela já não estava usando e iria doar. Pedi, na cara dura, e ela me deu. Reacendeu algo ali, mas não foi muito para frente, até o ano passado, 2024, que alguma coisa trouxe essa vontade de voltar a estudar. Tentei passar no Conservatório Municipal de Guarulhos, mas não consegui – abriram um total de 1 vaga para 57 participantes, eu teria chance se fosse o velho (novo?) Vini. Conversando com Thomás, resolvi que iria visitar o Souza Lima – ele estudou lá e super recomendou.
Quando passei pela porta, senti um friozinho na barriga e um arrepio muito gostoso, seguido por um sorriso de criança boba num parque de diversões. Havia música em todo lugar. Eu consegui ouvir violinos, pessoas cantando, violões, acho que até uma flauta. E foi como se eu tivesse entrado no lugar mais mágico da minha vida. Fiz uma aula experimental e retornei à recepção, decidido a fazer minha matrícula.
Voltei a estudar. Caderno em mãos, livros, dedicar algumas horas do dia para treinar. Eu percebi o quanto música me preenche. O piano me regula. A ansiedade acalma, o TDAH deixa de falar tanto, é quase um clipe de um musical, em que o cenário e seus objetos tomam vida, e eu consigo ver a música acontecendo em tudo. Como em um RPG – ou The Sims – eu vejo a barrinha de habilidade aumentando e eu comemoro com um grito efusivo quando consigo terminar um exercício.
Meu professor está me mostrando o Jazz. A música dessas primeiras aulas é do Cole Porter, e eu peguei uma playlist chamada “Piano Bar” para ouvir e adaptar meus ouvidos a esse estilo – que eu sempre gostei, mas não escutava tanto. Inclusive, vale o ressalte, me sinto dentro de uma novela quando a playlist toca e aguardo, ansiosamente, que Zilda bata na minha porta e pergunte “Cafezinho, dona Helena?”.
Enfim, retornar ao piano foi como encaixar uma peça de um quebra-cabeças gigante. E o mais louco, é que a peça sempre esteve ali, mas eu dava de ombros e ignorava a coitada diariamente. Eu respiro música. Desde quando acordo e ligo alguma música. Trabalho ouvindo algo. Gosto de jogos que tenham boas trilhas sonoras. Não fazia o menor sentido ter abandonado o piano por tanto tempo. Agora, aos 39 anos, os dedos não estão mais ágeis como eram, ter uma cabeça extremamente agitada pelo TDAH e ansiedade não ajuda muito, mas é SURREAL como as coisas se encaixam.
Se eu puder deixar uma dica: busquem um hobby que completem vocês. Vai fazer um tricô, um esporte, academia, viajar, sei lá. Vai ser feliz!




O mini Vini no piano! Que foto bonita!
Eu sempre penso nas coisas que fazia no passado, mas fui largando pelo caminho por causa da vida. Feliz de acompanhar seu reencontro com uma parte tão boa da sua história. <3